terça-feira, 6 de outubro de 2015

A Fisioterapia nas Queimaduras



Queimaduras são lesões dos tecidos orgânicos superficiais em decorrência de traumas de origem térmica, química, elétrica ou radioativa. Varia de desde pequeno eritema na pele até agressões mais graves, capazes de desencadear um grande número de respostas sistêmicas, que serão proporcionais à extensão e profundidade destas lesões.

No Brasil ocorrem em torno de 1.000.000 acidentes com queimaduras ao ano, sendo que 100.000 procurarão atendimento hospitalar e destes, cerca de 2500 pacientes irão à óbito, seja de maneira direta ou indireta às lesões.

Nos primeiros 3-4 dias após o acidente, as causas de morte acontecem por hipovolemia relacionada à desidratação pela área atingida. Nos dias subsequentes, a principal causa de morte são as infecções oportunistas. Mais de 70% das infecções em queimados está relacionada com procedimentos comuns em hospitais, como a introdução de cateteres, entubações e traqueostomias.

Etiologia
O conhecimento da causa da queimadura é de grande valia na hora do diagnóstico e elaboração do tratamento. Dependendo da causa pode-se imaginar a extensão e profundidade da queimadura.

Agentes térmicos:
Frio: períodos prolongados em contato com superfícies frias causam queimaduras muitas vezes mais graves que as queimaduras por calor. Por reduzir a sensibilidade da região, o indivíduo não percebe a formação da lesão e a queimadura acaba por se transformar em uma lesão bastante grave;
Escaldadura: queimaduras por líquido aquecidos são as mais comuns, principalmente em crianças. Costumam atingir grandes extensões corporais por ter a característica de escorrer pela superfície;
Chamas: apesar de estar intimamente relacionada com as queimaduras, de longe são as mais comuns, salvo os casos de suicídio;
Sólido aquecido: superfícies superaquecidas são responsáveis por queimaduras mais localizadas e profundas;
Gasoso: gases superaquecidos também são responsáveis por queimaduras em grandes extensões. Vale ressaltar que são responsáveis principalmente por queimaduras na face a nas vias aéreas, que são queimaduras consideradas gravíssimas.

Agentes elétricos:
Corrente de baixa voltagem: são responsáveis por queimaduras de segundo e terceiro graus em regiões mais delimitadas, em geral nas periferias, como mãos e pés;
Corrente de alta voltagem: são responsáveis por queimaduras extensas de terceiro grau, podendo levar à amputação imediata do membro e até a morte.

Agentes radioativos:
Radiação ionizante: são radiações perigosas, pois atravessam a camada da pele podendo causar queimaduras em tecidos mais profundos além de alterações celulares permanentes. Esse tipo de queimadura é causada por exposição excessiva à agentes radioativos como o Raio X e o Raio Gama (Césio 137);
Radiação não ionizante: mais superficiais, mas não menos perigosas, a radiação ionizante causa queimaduras na superfície tecidual por exposição excessiva. Deve-se ter mais cuidado com pessoas com redução de sensibilidade, elas são mais susceptíveis a esse tipo de queimadura:
Raios solares: em geral as queimaduras por radiação solar são de primeiro grau, contudo, abrangem grandes extensões corporais;
Raios infravermelho: são queimaduras mais profundas que as queimaduras por irradiação solar, contudo abrangem uma área mais limitada. Em geral são resultado de aplicação inadequada da terapia com infravermelho;
Raios ultravioleta: a mais profunda das queimaduras por radiação não ionizantes. O tempo de exposição em relação às outras radiações é bem menor, e está relacionada principalmente com  aplicação inadequada.

Agentes químicos:
Por substancia alcalina: apesar de não ser muito comum, é o tipo mais grave de queimadura. Além de penetrar profundamente na pele, a dificuldade de remoção do agente químico da região afetada acaba por transformar a queimadura em uma lesão crônica de difícil cicatrização. Os casos mais comuns de queimadura por substancia alcalina são a ingestão de soda cáustica, que causa queimaduras internas que geralmente levam à morte;
Por substância ácida: além de corroer a pele de forma grave, levando geralmente a queimaduras de terceiro grau, ainda existe o risco de intoxicação da corrente sanguínea.

Classificação das lesões quanto sua profundidade
A pele é dividida em três camadas distintas: a epiderme, que é a camada mais superficial e mais fina, é constituída por tecido epitelial estratificado morto; a derme, que fica abaixo da epiderme, é formada por fibras colágenas, elásticas e reticulares, assim como por vasos sanguíneos, nervos, folículos pilosos e glândulas; e a hipoderme, que é a camada mais profunda, é formada principalmente por células adiposas.

A classificação pela profundidade se dá principalmente pelos níveis de camada de pele que são atingidos.

1° grau: é a queimadura mais superficial, atingindo principalmente a epiderme. Apresenta um eritema na região atingida, mas, por causar danos apenas na região morta da pele, não é responsável por alterações hemodinâmicas nem clínicas. Contudo, é a queimadura mais dolorosa, visto que as terminações nervosas ficam expostas. Temos como exemplo as queimaduras por radiação solar e por líquidos aquecidos, como o café.
2° grau: esta queimadura atinge a epiderme e a derme. Apresenta edema, eritema e formação de bolhas devido às lesões dos vasos sanguíneos da derme. Em consequência, haverá alterações hemodinâmicas e, dependendo da extensão e da causa, alterações clínicas. A dor é intensa, visto à lesão das terminações nervosas da derme, contudo, devido a destruição de algumas delas, a dor é menor que na queimadura de 1° grau. Temos como exemplo as queimaduras por líquidos ferventes e superfícies aquecidas.
3° grau: são queimaduras profundas, comprometendo as três camadas da pele, podendo ainda comprometer tecido celular subcutâneo, músculo, tecido ósseo, chegando até as amputações de membros. A aparência da pele é esbranquiçada, podendo apresentar áreas de necrose celular. Existe perda total da sensibilidade na região, visto a lesão completa das terminações nervosas, e as alterações hemodinâmicas são mais graves devido às lesões vasculares. Por causa da perda total de pele, o risco de infecções é muito grande. Os exemplos mais comuns são as queimaduras químicas, os grandes incêndios e os choques elétricos por alta voltagem.

Classificação das lesões quanto sua profundidade
Existem várias maneiras de avaliar a extensão de uma queimadura. A mais bruta delas é a regra dos nove, onde acontece uma divisão do organismo em quadrantes com valores de nove. É usada apenas para tomada de medidas urgentes, não sendo bastante precisa.
A outra maneira de avaliar a extensão da queimadura é a Tabela de Lund e Browder, que divide a superfície corporal em porcentagem. É a mais usada para diagnóstico das queimaduras e divide os pacientes em:

Pequeno queimado: queimaduras de 1° e/ou 2° graus atingindo até 10% de segmento corporal queimado;
Médio queimado: abrange indivíduos com queimaduras de 1 e/ou 2° graus em 10-26% de segmento corporal queimado, queimaduras de 3° grau independente da extensão, queimaduras de extremidades e queimaduras de córneas;
Grande queimado: queimaduras de 1° e/ou 2° graus em mais de 26% do corpo, queimaduras de 3° grau em mais de 10% do corpo e queimaduras de períneo.
São considerados grandes queimados o paciente com queimaduras de qualquer extensão nas seguintes situações:
Lesão inflamatória que necessite de intubação;
Lesão de vias aéreas;
Politraumatismo;
Traumatismo craniano;
Trauma elétrico com lesão grave;
Paciente em choque;
Insuficiência cardíaca e/ou pulmonar;
Infarto agudo do miocárdio;
Quadro infeccioso grave decorrente ou não da queimadura;
Síndrome de doenças comportamentais - HIV

Períodos da queimadura
Para a assistência imediata da queimadura é necessário ter conhecimento das características hemodinâmicas que ela apresenta. Para isso, foi criado uma divisão em períodos para simbolizar didaticamente as etapas que acontecem.

1° período - até 12h: formação de edema local; vasodilatação local; aumento da pressão osmótica intersticial; aumento da permeabilidade vascular. Isso resulta na tentativa de hidratação na região da queimadura e consequente e progressiva desidratação corporal.

2° período - 12 a 24h: redução da perfusão tecidual; isquemia tecidual e necrose; déficit circulatório local e possivelmente orgânico; redução da diurese. Apresentação de um quadro de desidratação corporal.

3° período - após 24h: adesão de plaquetas e leucócitos à superfície das células endoteliais lesadas; marginalização de leucócitos na corrente sanguínea; hemostasia e trombose local; perda de pele. Indícios de início da cicatrização.

Cuidados gerais com o paciente queimado
Caso o paciente apresente sinais de queimadura em vias aéreas ou inalação de fumaça, deve ser feita uma intubação preventiva;
O paciente deve receber hidratação imediata, que deve ser dosada de acordo com a superfície corporal queimada;
Nas primeiras horas o paciente deve ser mantida em dieta zero, visto a redução da motilidade gastrointestinal presente em lesões, onde o sangue será desviado para a área lesada;
O metabolismo do queimado é aumentado para suprir a falta de proteção corporal, por esse motivo, após as primeiras horas, deve ser implementada uma dieta nutricional que supra o alto metabolismo;
Devido à falta de proteção pela perda da pele, é necessário a administração de antibióticos tópicos para evitar infecções oportunistas.

Fisioterapia no centro de queimados
A fisioterapia deve ser inserida nas primeiras 24 horas de internação e tem como objetivos gerais:
Prevenir deformidades ou contraturas;
Reintegrar o paciente na sociedade;
Estimular precocemente as atividades da vida diária;
Prevenir úlceras de decúbito;
Prevenir atelectasias e infecções respiratórias;
Estimular precocemente a postura de sentar, a bipedestação e a deambulação;
Melhorar a elasticidade músculo-tendínea e a nutrição dos tecidos articulares e funcionais;
Prevenir complicações circulatórias;
Prevenir o tromboembolismo venoso e pulmonar

Período de enxertia
Durante o período de enxertia, processo pelo qual o paciente passa por um procedimento cirúrgico para enxertar pele no local da queimadura, que dura de 4 a 5 dias, o membro que recebeu o enxerto deve ficar imobilizado.
A fisioterapia irá atuar dentro do centro cirúrgico confeccionando as órteses gessadas, imobilizando o segmento em extensão. O objetivo da órtese é o de estabilizar o membro, reduzir a dor, melhorar a função e proteger a área afetada, prevenir sequelas e deformidades
Após a cirurgia o fisioterapeuta é responsável pela posição no leito do paciente, que deve ser:
Extensão de cervical
Abdução de ombro
Flexão de cotovelo
Extensão de membros inferiores com elevação de 30°

Fisioterapia articular e funcional
Consiste na cinesioterapia isométrica, evoluindo para exercício passivo, ativo assistido, ativo livre e ativo resistido.
Tem como finalidade diminuir os processos álgicos; aumentar e manter a força e a resistencia muscular; aumentar ou manter a amplitude de movimento; reduzir edemas e derrames articulares; promover o alongamento e relaxamento articular; liberar as aderencias internas e externas; prevenir contraturas e deformidades; corrigir desvios posturais; desenvolver a coordenação motora e o equilibrio estático e dinamico; reeducar a marcha.

Fisioterapia em lesões de vias aéreas
Quando houver queimaduras graves de face e pescoço, história de queimados em ambientes fechados, presença de pêlos nasais chamuscados, mudança de padrão respiratório, eliminação de secreção com fuligem e queimaduras periorais, deve-se suspeitar de lesões nas vias aéreas.
Neste caso, é de suma importancia a manutenção da permeabilidade das vias aéreas, podendo-se administrar oxigênio com catéter ou máscara e em casos mais graves, a intubação endotraquial.

A fisioterapia irá atuar tanto na manutenção do suporte respiratório, no desmame do suporte quanto no treinamento e reexpansão pulmonar, podendo ainda tratar de complicações respiratórias decorrentes da síndrome do imobilismo.
Para tanto, poderá usa técnicas desobstrutivas, manobras de reexpansão pulmonar e treinamento da musculatura.

Massagem
A massagem deve ser realizada no período de cicatrização e no pós, para melhorar a sensibilidade da pele, melhorar a estrutura da cicatriz, prevenir e corrigir aderencias simples, estimular a circulação sanguínea da nova pele e reduzir o edema.
É importante tomar cuidado com a intensidade empregada na massagem, visto que a pele está muito frágil e debilitada, além dos enxertos que ainda estão se adaptando.

Balneoterapia (banho)
A balneoterapia pode ser realizada de duas maneiras: uma com anestesia, onde o cirurgião irá realizar procedimentos de desbridamento da pele queimada; e a sem anestesia, onde acontece apenas a limpeza da região afetada.
O fisioterapeuta tem função importante em ambas. Na balneoterapia anestésica, o fisioterapeuta irá realizar avaliação e reavaliação da área queimada, cinesioterapia passiva para membros superiores e inferiores, confecção de órtese gessada e orientação durante o curativo, visando possíveis liberações das articulações acometidas.
Na balneoterapia sem anestésico, o fisioterapeuta irá realizar avaliação e reavaliação da área queimada, cinesioterapia ativa e ativa assistida para membros superiores e inferiores e orientação durante o curativo, visando.

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